domingo, 30 de junho de 2013

Estação Luz, 18h (ou "A fada e a gordinha")

O mesmo espaço espremido e atulhado de todos os dias, que é a visão do espaço público em São Paulo. É estreito, pseudo-ordenado, impositor. É o que há de direito àqueles que ousam tamanha afronta ao Capital. É a sobra daquilo que não é privado, e que dessarte, não é de ninguém.
O gado segue em marcha lenta rumo ao controle da catraca, que contabiliza e numera o que há de mais inumerável: o humano.
O rapaz à frente para bruscamente; com uma reverência quase cortesã, guardadas as proporções disponíveis no pequeno espaço de que dispunha, dá passagem àquela fada esguia, alta, loura, bem trajada. Sorri imperceptivelmente frente à gentileza que, crê, é o exemplo que falta a toda uma sociedade de disputa. A gordinha, logo atrás, fica a ver navios. Espera sua vez de passar logo após o galanteador varão que, ignorando-lhe a existência, segue sua marcha satisfeito pelo dever cumprido.
Um mal-estar difícil de se compreender emana desse pequeno exemplo: quão machista é o cavalheirismo? É de fato um ramo, um sinônimo ou um primo distante da gentileza? Pois eu digo que é descendente direto da mesma brutalidade que se objetivou aniquilar naquele instante.
De cavalheirismo são dignas as mulheres, todas elas, mas algumas mais que as outras. É fruto do encanto bobo pela estética pura e simples, tão passageira quanto o próprio ato. O sopro tépido de um frio sentimento de superioridade, de força maior, e ainda mais, de uma projeção social; homem que é homem faz galanteios, mas nunca pra outro macho. Coisa bem distinta de gentileza, que pressupõe a anulação temporária das prioridades particulares em favor das prioridades coletivas.
E qual a prioridade do cavalheiro? Ora, não pode ser outra senão a da falsa anulação temporária de sua superioridade frente ao sexo frágil, sem contudo fazê-lo em favor do coletivo; é antes em favor de seu próprio ego, afagado pelo sorriso agradecido da co-responsável pelo machismo nosso de cada dia: a mulher que, alheia a tudo isso, penhora seu sorriso por uma pseudo-gentileza. 
Mas não, não é culpa dela que isso seja o que de melhor tantos homens têm a lhe oferecer. Ela tem o direito de sorrir. A gordinha, talvez, tenha que esperar sua vez.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Meu balanço positivo do(s) movimento(s)


- A tarifa baixou
Sim, esse era meio óbvio. Mas tem desdobramentos. Na prática, pra quem tomava duas modalidades de condução em São Paulo (ônibus + metrô, por exemplo), a redução foi de R$0,35 por viagem (do novo valor de integração de R$5,00 para o antigo, de R$4,65). R$0,70 ao dia, uns R$15,00 ao mês, algo como 2% do atual salário mínimo.
Dispensável discorrer sobre impacto no direito fundamental de ir e vir, né?
Ainda mais bacana, isso também suscitou questionamentos mais profundos: por que esse valor? Que tal "planilha" é essa de que o Haddad fala? Que "gorduras" são essas que poderíamos "avaliar melhor"? Será que conseguiremos botar a mão no vespeiro, como propõe o Young, e chegar mais perto da raiz do problema?

- Menos Pão e Circo
Em plena Copa das Confederações, as pessoas estão falando mais de política do que de futebol. No Brasil!
Sem mais.

- O direito de se manifestar
Sim, porque há anos que não se podia juntar mais de 10 pessoas pacificamente sem que a PM interviesse com violência. Em nome da preservação do direito de ir e vir da população, claro... "nenhum país no mundo para o trânsito pra protestar", já disse hoje Merval Pereira no Jornal das Dez (pena que não achei o link ainda, mas eu vi, eu juro).
Pois nós finalmente ganhamos esse, ahn... privilégio? Já podemos tomar as ruas com a polícia ciente de que só se intervém quando se foge à "ordem" - abrindo-se aqui toda a discussão do que isso queira dizer. Qualquer tentativa de coibir um protesto pacífico sob o argumento de que está "causando transtornos" é autoritária, mas vinha sendo repetida em coro pela nossa inconformada e democrática população que só queria chegar logo em casa. Tava todo mundo conformado. Isso era "distúrbio da ordem pública" e ponto final. Se esses baderneiros trabalhassem, não teriam tempo pra essas frescuras.
Convenhamos: agora, protestar ganhou um novo sentido. Ou o velho, que em algum momento desses 20 anos de PSDB, a gente até desaprendeu...

- A ocupação dos espaços públicos
E que me perdoem os colegas de outras cidades que não veem isso com surpresa, mas para São Paulo, isso é quase uma revolução. O espaço público é visto como o polo irradiador de tudo aquilo que deve ser evitado: degradação, atraso, desrespeito, violência; o paulistano prefere seus shopping centers, condomínios fechados com tudo incluso, carro blindado; até viajando, prefere os resorts, que são mais seguros do que sair por aí, sem saber que tipo de gente vai se encontrar no caminho... vai saber, né?
Pois o espaço público em nossa metrópole não é realmente PÚBLICO. O seria se fosse de todos e para todos, mas age-se no sentido oposto, como se ele fosse de NINGUÉM. É o território neutro onde ocorre apenas o trânsito de pessoas de um local fechado ao outro; quem realmente faz uso dele são os "vagabundos", aqueles que nada de melhor têm a fazer, que não ocupam a cabeça e o tempo com algo produtivo de verdade. É por isso que é sujo e feio: se fosse meu ou de outrém, eu cuidaria, mas não é de ninguém. Pode jogar lixo, pode deixar assim mesmo. Se fosse de alguém, esse alguém cuidava. Como não é de ninguém, tá largado.
É nesse sentido que, ver 65 mil paulistanos - pra usar os números oficiais hilários da Folha - na rua, ao mesmo tempo,  percebendo-se donos daquele espaço, é um passo sem precedentes. E que eu espero que perdure. A rua não é dos carros, é das pessoas. Mas os carros são mais fortes, não dialogam, transvestem os motoristas de uma armadura que lhe extrai o que há de mais primitivo e egoísta. Pois é. Só que, enquanto a manada está na rua, o leão que se vire e vá passear em outro lugar!

- O precedente
Falta uma liderança, mas a expectativa da maioria é de que o incêndio continue se alastrando. Causas, é óbvio, não faltam. Se atingirmos a maturidade de nos concentrarmos em uma por vez, as chances estão do nosso lado. Por mais que falte foco, o protesto chama a atenção, incomoda. Envergonha as lideranças, bem no meio do seu banquete de recepção da Copa das Confederações. É a revelação bombástica no meio do baile de gala. Não interessa que ninguém tenha dito exatamente o que está fazendo ali, mas alguma paz no sono dos governantes já está titubeando. Alguém pode envenenar seu champagne a qualquer momento.
Não temos nenhuma garantia - tal como nunca tivemos, a bem dizer. O futuro já era incerto antes dos protestos, só que o adoecimento da esperança era um fato consumado. Agora, nem tanto. Até ele entrou pra pilha disforme de dúvidas que cultivamos nesses dias. Se isso será um ganho, só o tempo dirá. É preciso paciência. Estamos acostumados demais a estímulos, não a acontecimentos. Já nos cansamos o bastante para finalmente nos transformarmos?