domingo, 25 de outubro de 2009

Deusa, mãe, esposa, irmã, amiga, amante, mulher...


Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinha da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças. Levei apenas uma hora para saber o motivo. Bete fora acusada de não ser mais virgem, os irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretasse se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.
Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do quintal da sua casa para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos cabelos e dominada não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo. Realmente esqueceu, morrendo tuberculosa.
Estes episódios marcaram para sempre a minha consciência e me fizeram perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres. Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular, moldar, escravizar aos estereótipos.
Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias plásticas. Transformaram seus seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta das norte-americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem rebolativas e sensuais, garantindo bom sucesso nas passarelas do samba. Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se adaptarem à moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens. E, com isso, Barbies de fancaria, provocaram em muitas outras mulheres (as baixinhas, as gordas, as de óculos) um sentimento de perda de auto-estima.
Isso, exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários (56%) é composta de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na pesquisa científica, na política, no jornalismo. E, no momento em que as pioneiras do feminismo passam a defender a teoria de que é preciso feminilizar o mundo e torná-lo mais distante da barbárie mercantilista e mais próximo do humanismo.
Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres, flechas, espadas e punhais. Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espadas. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem os meninos, para fortalecer sua virilidade e violência. As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na insegurança e na violência.
É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d'água e trouxas de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas.
São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer à ternura de suas mentes e a doçura de seus corações.

Rita Lee

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

De Mario Quintana


DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas


POEMINHO DO CONTRA

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!


A GRANDE SURPRESA

Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo...


DA INQUIETA ESPERANÇA

Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.


BILHETE

Se tu me amas,
ama-me baixinho.
Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho,
amada,
que a vida é breve,
e o amor
mais breve ainda.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Controle de Qualidades


Você não nasceu com a obrigação de fazer ninguém feliz. Sendo assim, não queira fazer nenhum esforço sobre-humano pra isso, porque o resultado mais provável ao longo do tempo será a mentira; se alguém se diz feliz ao seu lado, tem de sê-lo pelo que você é, não pelo que ela quer que você seja - e muito menos pelo que você quer que ela pense que você é.
Então a fórmula é bem simples: se arrancar um sorriso de alguém lhe tem exigido uma verdadeira ginástica retórica, é sinal que você já está contrariando sua natureza para mostrar a alguém algo que você simplesmente não é, e pior, talvez nunca seja. E esse é o maior perigo de qualquer forma de relacionamento entre dois humanos: um sempre espera que o outro vá mudar um dia, e no meu ver, é isso que resulta em boa parte dos "no começo você era tão diferente...". Não, não era diferente. Era um dos dois que não queria enxergar que a tal pessoa não era assim - ou que deixaria um dia de sê-lo.
Reconhecer a própria natureza humana é a única forma de reconhecer a de outrem e, quem sabe, perceber que certas coisas não são de fato aquilo que se convencionou chamar "defeitos", sem maiores questionamentos. Quanto ao que sobrar disso, sinto muito, mas quando alguém passa a fazer parte da sua vida, você adquire o pacote completo! Até aceita-se devolução, mas a troca pode ser bem demorada...

João Rodrigues