domingo, 29 de junho de 2008

Notas sobre a experiência e o saber de experiência


(...) A experiência é cada vez mais rara, por falta de tempo. Tudo o que se passa, passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. O acontecimento nos é dado na forma de choque, do estímulo, da sensação pura, na forma de vivência instantânea, pontual e fragmentada. A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio. O sujeito moderno não só está informado e opina, mas também é um consumidor voraz e insaciável de notícias, de novidades, um curioso impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio. Ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, são também inimigas mortais da experiência.

(...)

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar: parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Jorge Larrosa Bondía
Professor da Universidade de Barcelona

terça-feira, 17 de junho de 2008

Caminhos para não distorcer a realidade

Cada vez mais, observando o que acontece comigo e ao meu redor, constato que vivemos todos imersos em um tipo de cegueira.Funciona assim... enxergamos apenas o que queremos, como queremos, quando queremos... E PONTO FINAL. Negamos a realidade, distorcemos os fatos, inventamos nossa própria verdade e se alguém ousar tentar nos dizer que não é bem assim, nós o atacamos como se fôssemos tigres siberianos defendendo sangrentamente a caça recém-conquistada!
Eu sei, pode parecer dramático, mas o assunto é tão sério que me permito certa dramaticidade para conseguir sua atenção. Eu sei que você vai entender do que estou falando. Afinal, quem já não foi distorcido, negado, mal interpretado ou atacado um dia? Quem já não deu o seu melhor para outro alguém e recebeu em troca bengaladas de um cego irado na cabeça? Quem já não agiu com a melhor das intenções e depois se arrependeu de ter se dado tanto? Por outro lado... Quem nunca julgou o outro sem antes perguntar o que o outro de verdade queria dizer? Quem nunca agrediu alguém num ato de pura defesa? Quem nunca enlouqueceu, pelo menos uma vezinha na vida? Não importa de que lado estejamos, não importa se somos os cegos, ou as vítimas da cegueira de outro alguém, os resultados são sempre desastrosos - relacionamentos que se desfazem, amizades destruídas, distanciamento, tristeza, solidão, dor de estômago - acho que você já entendeu.É preciso que saibamos que todos nós, seres humanos, temos uma tendência a avaliar o que nos acontece A PARTIR DAS NOSSAS EXPERIÊNCIAS PASSADAS, e isso faz com que muitas vezes façamos avaliações ABSURDAMENTE incorretas das situações.Quer um exemplo? Imagine uma pessoa que sempre tenha se sentido abandonada por seu pai, ou por sua mãe. Por toda uma vida, toda vez que buscava o apoio dessas figuras parentais, acabava tendo que se virar sozinha. Quando era pequena, e tinha um pesadelo, e corria para o quarto dos pais, não era acolhida, e o seu medo era minimizado com uma frase: - Não é nada, vá dormir! Quando tinha problemas na escola, não sentia que tinha com quem contar. Quando começou a namorar, não se sentia compreendida. Não importa se isso de verdade acontecia ou não, ela sentia dessa forma, e assim passou a acreditar que nunca poderia contar com ninguém.Pronto: está armada a armadilha!O tempo passou, ela cresceu, e até sabe, 'racionalmente', que no mundo devem existir algumas pessoas com quem poderá contar, bem como outras com as quais nunca poderá contar. Mas 'emocionalmente' não é assim! Emocionalmente ela tem certeza de que NUNCA PODERÁ CONTAR COM NINGUÉM!!!E é esse lado emocional que avalia as suas relações. Então, se um dia essa pessoa precisasse de ajuda, por exemplo, nem chegaria a pedir a ninguém, uma vez que não acredita que ninguém a ajudaria. E mesmo que fosse ajudada, talvez não conseguisse perceber isso, confirmando sua crença e selando as portas de sua prisão. OU SEJA, NÓS ACABAMOS RECRIANDO INCONSCIENTEMENTE AQUILO EM QUE ACREDITAMOS.Para sair dessa cansativa epopéia de repetições, precisamos de toda a nossa atenção e força de vontade para caminhar em direção à realidade. Precisamos desconfiar de nós mesmos, de nossas percepções e checar com o mundo as nossas impressões.- Será que essa pessoa realmente me abandonou, ou sou eu que tenho a tendência a me sentir abandonada?- Será que ela não me ama, ou sou eu que tenho dificuldade em me sentir amada?- Será que ela me rejeita, ou sou eu que tendo a me sentir rejeitada?... e por aí vai.Então, se um amigo marcar um almoço de domingo com você e não comparecer, antes de simplesmente bater o carimbo de FALSO AMIGO ABANDONOU O OUTRO EM UMA TARDE DE DOMINGO, permita-se checar o que de fato aconteceu. Ligue e pergunte. E mais... - OUÇA O QUE ELE TEM A LHE DIZER.Isso é muito importante, pois muitas vezes vamos para uma conversa com uma idéia preconcebida tão rigidamente formulada que, não importa o que o outro diga, acreditamos apenas naquilo que já tínhamos como verdade, e ponto final! Não damos chance alguma para que a realidade venha à tona. O seu amigo poderia até lhe provar que estava inconsciente no hospital naquele domingo, e ainda assim você encontraria uma maneira de continuar colocando-o no lugar "da pessoa horrível que abandonou você". Perceba o quanto isso é injusto e destrutivo.Por outro lado, se alguém está fazendo isso com você. Se alguém está distorcendo a realidade, as suas palavras, as suas atitudes... Se alguém simplesmente bateu um carimbo, com força, na sua cara, sem nem mesmo querer saber a sua versão do acontecido, o melhor que você tem a fazer é entender que essa foi a escolha que aquela pessoa pôde fazer naquele momento. Talvez, se a relação de vocês for importante e contiver vínculos reais, em algum momento você encontre espaço para dizer qual é a sua verdade, e talvez então essa pessoa consiga enxergar você. Nem sempre acontece, e se ela não conseguir, não existe muito o que você possa fazer. Apenas não carregue com você o que não for seu. Acredite, quando julgamos alguém injustamente, nos sentimos muito mal com isso. Essa é uma forma de você avaliar a si mesmo. Se você foi injusto, se negou ou distorceu a realidade, aquilo vai continuar incomodando você. Da mesma forma, quando você tiver certeza de que deu o seu melhor em um relacionamento, mesmo que a outra pessoa não queira perceber ou enxergar isso, você se sentirá em paz, tão em paz que poderá seguir seu caminho, sem ressentimentos para com o outro, e será capaz de sentir certa compaixão pela cegueira humana que, vez ou outra, acomete a todos nós.Duas dicas: 1) Toda vez que você tiver o impulso de pular como um tigre louco sobre alguém, vale a pena se perguntar se o que aconteceu realmente merece aquela fúria toda. Reações emocionais desproporcionais em geral sinalizam uma dificuldade em enxergar a realidade.
2) Por outro lado, se um dia você perceber um tigre enfurecido vindo na sua direção, proteja-se. Saia de sua frente até que ele recupere a sanidade. Com certeza aquele não é o melhor momento para dar a sua versão dos fatos!!!

Patricia Gebrim in http://www1.uol.com.br/vyaestelar/eu_realidade.htm

domingo, 1 de junho de 2008

O céu e o inferno


Conta-se que um poeta estava um dia passeando ao crepúsculo em uma floresta, quando de repente surgiu diante dele uma aparição do maior dos poetas, Virgílio. Virgílio disse ao apavorado poeta que o destino estava sorrindo para ele e que ele tinha sido escolhido para conhecer os segredos do Céu e do Inferno. Por mágica, Virgílio transportou-se e ao poeta, ainda apavorado com experiência tão súbita, ao velho e mítico rio que circundava o submundo. Entraram em uma canoa e Virgílio instruiu o poeta para remar até o Inferno. Quando chegaram, o poeta estava algo surpreso por encontrar um lugar semelhante à floresta onde estavam, e não feito de fogo e enxofre nem infestado de demônios alados e criaturas nojentas exalando fogo, como ele esperava.
Virgílio pegou o poeta pela mão e levou-o por uma trilha. Logo o poeta sentiu, à medida que se aproximava de uma barreira de rochas e arbustos, o cheiro de um delicioso ensopado. Junto com o cheiro, entretanto, vinham misteriosos sons de lamentações e ranger de dentes. Ao contornar as rochas, deparou-se com uma cena incomum. Havia uma grande clareira com muitas mesas grandes e redondas. No meio de cada mesa havia uma enorme panela contendo o ensopado cujo cheiro o poeta havia sentido, e cada mesa estava cercada de pessoas definhadas e obviamente famintas. Cada pessoa segurava uma colher com a qual tentava comer o ensopado. Devido ao tamanho da mesa, entretanto, e por serem as colheres compridas de forma a alcançar a panela no centro, o cabo das colheres era duas vezes mais comprido do que os braços das pessoas que as usavam. Isto tornava impossível para qualquer uma daquelas pessoas famintas colocarem a comida na boca. Havia muita luta e imprecações enquanto cada pessoa tentava desesperadamente pegar pelo menos uma gota do ensopado.
O poeta ficou muito abalado com a terrível cena, até que tampou os olhos e suplicou a Virgílio que o tirasse dali. Em um momento eles estavam de volta à canoa e Virgílio mostrou ao poeta como chegar até o Céu. Quando chegaram, o poeta surpreendeu-se novamente ao ver uma cena que não correspondia às suas expectativas. Aquele lugar era quase exatamente igual ao que eles tinham acabado de sair. Não havia grandes portões de pérolas nem bandos de anjos a cantar. Novamente Virgílio conduziu-o por uma trilha aonde um cheiro de comida vinha de trás de uma barreira de rochas e arbustos. Desta vez, entretanto, eles ouviram cantos e risadas quando se aproximaram. Ao contornarem a barreira, o poeta ficou muito surpreso de encontrar um quadro idêntico ao que eles tinham acabado de deixar; grandes mesas cercadas por pessoas com colheres de cabos desproporcionais e uma grande panela de ensopado no centro de cada mesa. A única e essencial diferença entre aquele grupo de pessoas e o que eles tinham acabado de deixar, era que as pessoas neste grupo estavam usando suas colheres para alimentar uns aos outros.

Robert B. Dilts e outros