terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sobre expectativas e resultados



"A resposta é o caminho."
Dri Quedas

Estabilidade e mentira, queiram me desculpar, são sinônimos.
Ter a perfeição como meta é louvável, mas se dizer abençoado por ela é enganar a si mesmo e, quiçá pior, a outrém. E o primeiro caminho para se seguir a virtude tem começo justamente na aceitação de sua inexistência no ponto de partida.
Aceitar a instabilidade do outro é desafiador, mas é nosso reconhecimento por sua autenticidade - tão, tão rara em toda parte...
Aquele que se revela no caminho já tropeça em suficientes pedras, não obstante as que lhe lançam.

João Rodrigues

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Ágatha


Nunca gostara da casa cheia, mas hoje lhe incomodava particularmente. A simples idéia das conversas lhe parecia por demais enfadonha, e todo aquele ritual de novos anos poderia ser perfeitamente dispensável.
Saiu pela segunda vez aquela noite para tomar ar no jardim, mas não sem antes ser interpelada pela prima, que alegremente lhe apresentava ao casal de amigos - também pela segunda vez aquela noite.
E tudo o que preferia era não ter que ver casais. Era a primeira festa que dava na casa depois do divórcio, e não queria pensar na possibilidade de que estivesse infeliz com aquilo; foram meses aprendendo sobre essa tal de "felicidade dentro de nós mesmos". Nada seria mais ridículo do que pensar nele àquelas alturas.
Antes que pudesse acender um cigarro, se deu conta de que o jardim não estava vazio. Com seu vestido todo leve, sob a finíssima garoa que sempre cai nessas épocas, parecia uma dessas entidades divinas que se acredita habitarem a natureza.
-Também não gosta das festas? - perguntou a estranha sem cerimônia.
-Só não queria fumar lá dentro. - mentiu, um pouco incomodada pela solidão que não obtivera.
A resposta foi um sorriso quase imperceptível, e um silêncio que denunciava a dificuldade em acreditar nisso.
-Desculpe sua prima. Ela está um pouco alta hoje. - disse, por fim, fazendo-a finalmente perceber de que se tratava da moça que a prima estivera tentando apresentar a noite toda.
E foi então que finalmente viu-a. Antes só a tivera olhado, e sequer teria notado o quanto eram parecidas. Por segundos, se detivera admirando aquela familiaridade desconhecida.
-Desculpe. Quem é você? - perguntou, por fim.
A resposta foi outro sorriso, desta vez um pouco menos singelo, suficientemente mais cativante. Um sorriso um pouco diferente daquilo que conhecia. Um sorriso verdadeiro. Um sorriso que reconhecia.
-Quer saber quem sou ou apenas meu nome?
E pela primeira vez naqueles meses todos, estranhamente, sentiu que preferia a primeira opção. Lhe pareceu a primeira vez na vida.
E era.

João Rodrigues