sábado, 8 de novembro de 2008

O nosso

Nunca pretendi que fosse meu, e nem tampouco que eu fosse seu.
Mas havia quaisquer coisas ali que eram muito nossas, e essas são as que dóem: me contentei que não tivesse só pra mim, mas nunca aprendi a só não ter pra mim. E que fosse pelo tempo que fosse, nada poderia me dilacerar mais do que saber disso.
Machucou, talvez mais do que deveria. A cicatriz está lá para lembrar que nunca escapamos ilesos das felicidades da vida. Já nem dói de tanto que já doeu, nem tampouco é capaz de me trazer de volta qualquer boa emoção.
Mas é chegada também sua hora de conhecê-la. Ela é um legado tão nosso quanto tudo mais. Não pretenda tirá-la de mim, mas esteja certo de que, melhor que ninguém - para bem ou para mal -, você saberá cuidá-la.

John

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sobre expectativas e resultados



"A resposta é o caminho."
Dri Quedas

Estabilidade e mentira, queiram me desculpar, são sinônimos.
Ter a perfeição como meta é louvável, mas se dizer abençoado por ela é enganar a si mesmo e, quiçá pior, a outrém. E o primeiro caminho para se seguir a virtude tem começo justamente na aceitação de sua inexistência no ponto de partida.
Aceitar a instabilidade do outro é desafiador, mas é nosso reconhecimento por sua autenticidade - tão, tão rara em toda parte...
Aquele que se revela no caminho já tropeça em suficientes pedras, não obstante as que lhe lançam.

João Rodrigues

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Ágatha


Nunca gostara da casa cheia, mas hoje lhe incomodava particularmente. A simples idéia das conversas lhe parecia por demais enfadonha, e todo aquele ritual de novos anos poderia ser perfeitamente dispensável.
Saiu pela segunda vez aquela noite para tomar ar no jardim, mas não sem antes ser interpelada pela prima, que alegremente lhe apresentava ao casal de amigos - também pela segunda vez aquela noite.
E tudo o que preferia era não ter que ver casais. Era a primeira festa que dava na casa depois do divórcio, e não queria pensar na possibilidade de que estivesse infeliz com aquilo; foram meses aprendendo sobre essa tal de "felicidade dentro de nós mesmos". Nada seria mais ridículo do que pensar nele àquelas alturas.
Antes que pudesse acender um cigarro, se deu conta de que o jardim não estava vazio. Com seu vestido todo leve, sob a finíssima garoa que sempre cai nessas épocas, parecia uma dessas entidades divinas que se acredita habitarem a natureza.
-Também não gosta das festas? - perguntou a estranha sem cerimônia.
-Só não queria fumar lá dentro. - mentiu, um pouco incomodada pela solidão que não obtivera.
A resposta foi um sorriso quase imperceptível, e um silêncio que denunciava a dificuldade em acreditar nisso.
-Desculpe sua prima. Ela está um pouco alta hoje. - disse, por fim, fazendo-a finalmente perceber de que se tratava da moça que a prima estivera tentando apresentar a noite toda.
E foi então que finalmente viu-a. Antes só a tivera olhado, e sequer teria notado o quanto eram parecidas. Por segundos, se detivera admirando aquela familiaridade desconhecida.
-Desculpe. Quem é você? - perguntou, por fim.
A resposta foi outro sorriso, desta vez um pouco menos singelo, suficientemente mais cativante. Um sorriso um pouco diferente daquilo que conhecia. Um sorriso verdadeiro. Um sorriso que reconhecia.
-Quer saber quem sou ou apenas meu nome?
E pela primeira vez naqueles meses todos, estranhamente, sentiu que preferia a primeira opção. Lhe pareceu a primeira vez na vida.
E era.

João Rodrigues

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

...só isso?



Pra mim, parecia estranho, até começar a notar: nenhum momento parece pior do que aquele em que um problema finalmente foi solucionado.
Vem a euforia, o alívio, o agradecimento a Deus por esse novo começo ou por um tão esperado fim... e poft, você desmorona num desânimo incompreensível. Se qualquer semelhança com sua realidade não for mera coincidência, seja bem-vindo ao clube.
Agora, vejamos sob outro prisma: quando se chega no topo, tudo o que se enxerga é descida, não? Enquanto você está preocupado com a subida, só toma conta do esforço que está empregando nela, mas só quando finalmente chega é que percebe como está com sede, as pernas dóem e a cabeça lateja.
É aí que você vê que esteve lutando, aí que se examina e sente um pouco de auto-piedade por não ter sido tão fácil quanto é para os outros, e pior de tudo, é aí que você se dá conta de que aquilo por que você tanto batalhou era alcançável! Ou seja, ou você que foi um inútil de não ter conseguido antes, ou a conquista é mais banal do que parecia...
E quando nos damos por satisfeitos? Me pergunto se reproduzimos numa escala menor essa sede insaciável de novidades da pós-modernidade, ou se somos nós que a criamos e alimentamos o tempo todo.
Acho que vou preferir não encontrar a resposta...

João Rodrigues

domingo, 17 de agosto de 2008

Notas sobre a nostalgia


Aqui não há controle, nem alívio, nem cura.
Aqui dentro é um amontoado do que, pra todo o resto, se chama "linha do tempo". Essa minha linha está enovelada em um carretel todo embaraçado.
Pra mim, nunca é o fim do começo nem começo do fim.


Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Simples demais

Pois é, eu também já me atrevi a escrever poemas (e româticos). Esse foi aos 19, essa época fofa em que a gente ainda é idealista e acha que conformação é coisa de fora que não nos atinge.
Como eu achei esse digno, resolvi postar até passar a bagunça de idéias - se é que isso passa.


Simples demais

Queria ser (só pra você) aquele cara lindo
que faz poemas e adora MPB
E que tudo o que faz encanta você
Como o lirismo doce das belezas simples e sem sentido

Mas o que a gente não conhece, a gente inventa
O que a gente não entende, a gente enfrenta
O que não demonstra, ao menos tenta

E me esforço por evocar palavras complexas
Como se palavra qualquer carregasse o sentido
De tudo isso que você faz comigo

Ou como se eu pudesse expressar
melhor do que isso, simplesmente assim
Com esse poema de lápis e papel
tudo aquilo que você é em mim

Melhor se fosse simplesmente
Simples e suficiente
Esse meu olhar que te devora
De te querer agora
Desse coração que dispara
Simplesmente por te conter

João Rodrigues

terça-feira, 22 de julho de 2008

Aquilo a que chamamos rosa

"Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem", disse uma certa Julieta a seu Romeu. A referência aqui é ao fato de não poder ele, um Montecchio, poder viver ao lado de sua amada, uma Capuleto, famílias mortalmente inimigas.
E quanto a nós, como lidamos com os nomes que nos cercam? O que muda quando um rolo muda de nome pra namoro, uma filosofia para uma religião, um gosto por um grupo, um réles mortal para um doutor? Por quê tudo muda tanto quando estampamos o rótulo certificando tudo o que aquilo sempre foi ou esteve?
Se um dia quiser experimentar, eu recomendo: viva algo sem nome. É inigualável essa sensação de poder saborear a vida sem saber o que ela foi, é ou deveria ser, como se nunca estivéssemos amarrados aos conceitos prévios que estão aqui na gente, por toda parte. É isso que eu prefiro, viver as coisas como se elas fossem totalmente novas, porquê elas o são: minha experiência é imensamente mais dolorosa ou deliciosa do que qualquer coisa que um dia já me contaram sobre ela.
No fundo, acho que só botaram nome em tudo para imortalizar o que é tão passageiro quanto nós: nenhuma flor, momento ou pessoa são para sempre; o que fica é o que nos é verdade, mas naquele momento.
Se lhe apetecer, deixe por hoje a rosa, a flor e a planta serem algo novo para você, e me diga quantos perfumes diferentes ela passará a ter.

João Rodrigues

domingo, 29 de junho de 2008

Notas sobre a experiência e o saber de experiência


(...) A experiência é cada vez mais rara, por falta de tempo. Tudo o que se passa, passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. O acontecimento nos é dado na forma de choque, do estímulo, da sensação pura, na forma de vivência instantânea, pontual e fragmentada. A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio. O sujeito moderno não só está informado e opina, mas também é um consumidor voraz e insaciável de notícias, de novidades, um curioso impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio. Ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, são também inimigas mortais da experiência.

(...)

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar: parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Jorge Larrosa Bondía
Professor da Universidade de Barcelona

terça-feira, 17 de junho de 2008

Caminhos para não distorcer a realidade

Cada vez mais, observando o que acontece comigo e ao meu redor, constato que vivemos todos imersos em um tipo de cegueira.Funciona assim... enxergamos apenas o que queremos, como queremos, quando queremos... E PONTO FINAL. Negamos a realidade, distorcemos os fatos, inventamos nossa própria verdade e se alguém ousar tentar nos dizer que não é bem assim, nós o atacamos como se fôssemos tigres siberianos defendendo sangrentamente a caça recém-conquistada!
Eu sei, pode parecer dramático, mas o assunto é tão sério que me permito certa dramaticidade para conseguir sua atenção. Eu sei que você vai entender do que estou falando. Afinal, quem já não foi distorcido, negado, mal interpretado ou atacado um dia? Quem já não deu o seu melhor para outro alguém e recebeu em troca bengaladas de um cego irado na cabeça? Quem já não agiu com a melhor das intenções e depois se arrependeu de ter se dado tanto? Por outro lado... Quem nunca julgou o outro sem antes perguntar o que o outro de verdade queria dizer? Quem nunca agrediu alguém num ato de pura defesa? Quem nunca enlouqueceu, pelo menos uma vezinha na vida? Não importa de que lado estejamos, não importa se somos os cegos, ou as vítimas da cegueira de outro alguém, os resultados são sempre desastrosos - relacionamentos que se desfazem, amizades destruídas, distanciamento, tristeza, solidão, dor de estômago - acho que você já entendeu.É preciso que saibamos que todos nós, seres humanos, temos uma tendência a avaliar o que nos acontece A PARTIR DAS NOSSAS EXPERIÊNCIAS PASSADAS, e isso faz com que muitas vezes façamos avaliações ABSURDAMENTE incorretas das situações.Quer um exemplo? Imagine uma pessoa que sempre tenha se sentido abandonada por seu pai, ou por sua mãe. Por toda uma vida, toda vez que buscava o apoio dessas figuras parentais, acabava tendo que se virar sozinha. Quando era pequena, e tinha um pesadelo, e corria para o quarto dos pais, não era acolhida, e o seu medo era minimizado com uma frase: - Não é nada, vá dormir! Quando tinha problemas na escola, não sentia que tinha com quem contar. Quando começou a namorar, não se sentia compreendida. Não importa se isso de verdade acontecia ou não, ela sentia dessa forma, e assim passou a acreditar que nunca poderia contar com ninguém.Pronto: está armada a armadilha!O tempo passou, ela cresceu, e até sabe, 'racionalmente', que no mundo devem existir algumas pessoas com quem poderá contar, bem como outras com as quais nunca poderá contar. Mas 'emocionalmente' não é assim! Emocionalmente ela tem certeza de que NUNCA PODERÁ CONTAR COM NINGUÉM!!!E é esse lado emocional que avalia as suas relações. Então, se um dia essa pessoa precisasse de ajuda, por exemplo, nem chegaria a pedir a ninguém, uma vez que não acredita que ninguém a ajudaria. E mesmo que fosse ajudada, talvez não conseguisse perceber isso, confirmando sua crença e selando as portas de sua prisão. OU SEJA, NÓS ACABAMOS RECRIANDO INCONSCIENTEMENTE AQUILO EM QUE ACREDITAMOS.Para sair dessa cansativa epopéia de repetições, precisamos de toda a nossa atenção e força de vontade para caminhar em direção à realidade. Precisamos desconfiar de nós mesmos, de nossas percepções e checar com o mundo as nossas impressões.- Será que essa pessoa realmente me abandonou, ou sou eu que tenho a tendência a me sentir abandonada?- Será que ela não me ama, ou sou eu que tenho dificuldade em me sentir amada?- Será que ela me rejeita, ou sou eu que tendo a me sentir rejeitada?... e por aí vai.Então, se um amigo marcar um almoço de domingo com você e não comparecer, antes de simplesmente bater o carimbo de FALSO AMIGO ABANDONOU O OUTRO EM UMA TARDE DE DOMINGO, permita-se checar o que de fato aconteceu. Ligue e pergunte. E mais... - OUÇA O QUE ELE TEM A LHE DIZER.Isso é muito importante, pois muitas vezes vamos para uma conversa com uma idéia preconcebida tão rigidamente formulada que, não importa o que o outro diga, acreditamos apenas naquilo que já tínhamos como verdade, e ponto final! Não damos chance alguma para que a realidade venha à tona. O seu amigo poderia até lhe provar que estava inconsciente no hospital naquele domingo, e ainda assim você encontraria uma maneira de continuar colocando-o no lugar "da pessoa horrível que abandonou você". Perceba o quanto isso é injusto e destrutivo.Por outro lado, se alguém está fazendo isso com você. Se alguém está distorcendo a realidade, as suas palavras, as suas atitudes... Se alguém simplesmente bateu um carimbo, com força, na sua cara, sem nem mesmo querer saber a sua versão do acontecido, o melhor que você tem a fazer é entender que essa foi a escolha que aquela pessoa pôde fazer naquele momento. Talvez, se a relação de vocês for importante e contiver vínculos reais, em algum momento você encontre espaço para dizer qual é a sua verdade, e talvez então essa pessoa consiga enxergar você. Nem sempre acontece, e se ela não conseguir, não existe muito o que você possa fazer. Apenas não carregue com você o que não for seu. Acredite, quando julgamos alguém injustamente, nos sentimos muito mal com isso. Essa é uma forma de você avaliar a si mesmo. Se você foi injusto, se negou ou distorceu a realidade, aquilo vai continuar incomodando você. Da mesma forma, quando você tiver certeza de que deu o seu melhor em um relacionamento, mesmo que a outra pessoa não queira perceber ou enxergar isso, você se sentirá em paz, tão em paz que poderá seguir seu caminho, sem ressentimentos para com o outro, e será capaz de sentir certa compaixão pela cegueira humana que, vez ou outra, acomete a todos nós.Duas dicas: 1) Toda vez que você tiver o impulso de pular como um tigre louco sobre alguém, vale a pena se perguntar se o que aconteceu realmente merece aquela fúria toda. Reações emocionais desproporcionais em geral sinalizam uma dificuldade em enxergar a realidade.
2) Por outro lado, se um dia você perceber um tigre enfurecido vindo na sua direção, proteja-se. Saia de sua frente até que ele recupere a sanidade. Com certeza aquele não é o melhor momento para dar a sua versão dos fatos!!!

Patricia Gebrim in http://www1.uol.com.br/vyaestelar/eu_realidade.htm

domingo, 1 de junho de 2008

O céu e o inferno


Conta-se que um poeta estava um dia passeando ao crepúsculo em uma floresta, quando de repente surgiu diante dele uma aparição do maior dos poetas, Virgílio. Virgílio disse ao apavorado poeta que o destino estava sorrindo para ele e que ele tinha sido escolhido para conhecer os segredos do Céu e do Inferno. Por mágica, Virgílio transportou-se e ao poeta, ainda apavorado com experiência tão súbita, ao velho e mítico rio que circundava o submundo. Entraram em uma canoa e Virgílio instruiu o poeta para remar até o Inferno. Quando chegaram, o poeta estava algo surpreso por encontrar um lugar semelhante à floresta onde estavam, e não feito de fogo e enxofre nem infestado de demônios alados e criaturas nojentas exalando fogo, como ele esperava.
Virgílio pegou o poeta pela mão e levou-o por uma trilha. Logo o poeta sentiu, à medida que se aproximava de uma barreira de rochas e arbustos, o cheiro de um delicioso ensopado. Junto com o cheiro, entretanto, vinham misteriosos sons de lamentações e ranger de dentes. Ao contornar as rochas, deparou-se com uma cena incomum. Havia uma grande clareira com muitas mesas grandes e redondas. No meio de cada mesa havia uma enorme panela contendo o ensopado cujo cheiro o poeta havia sentido, e cada mesa estava cercada de pessoas definhadas e obviamente famintas. Cada pessoa segurava uma colher com a qual tentava comer o ensopado. Devido ao tamanho da mesa, entretanto, e por serem as colheres compridas de forma a alcançar a panela no centro, o cabo das colheres era duas vezes mais comprido do que os braços das pessoas que as usavam. Isto tornava impossível para qualquer uma daquelas pessoas famintas colocarem a comida na boca. Havia muita luta e imprecações enquanto cada pessoa tentava desesperadamente pegar pelo menos uma gota do ensopado.
O poeta ficou muito abalado com a terrível cena, até que tampou os olhos e suplicou a Virgílio que o tirasse dali. Em um momento eles estavam de volta à canoa e Virgílio mostrou ao poeta como chegar até o Céu. Quando chegaram, o poeta surpreendeu-se novamente ao ver uma cena que não correspondia às suas expectativas. Aquele lugar era quase exatamente igual ao que eles tinham acabado de sair. Não havia grandes portões de pérolas nem bandos de anjos a cantar. Novamente Virgílio conduziu-o por uma trilha aonde um cheiro de comida vinha de trás de uma barreira de rochas e arbustos. Desta vez, entretanto, eles ouviram cantos e risadas quando se aproximaram. Ao contornarem a barreira, o poeta ficou muito surpreso de encontrar um quadro idêntico ao que eles tinham acabado de deixar; grandes mesas cercadas por pessoas com colheres de cabos desproporcionais e uma grande panela de ensopado no centro de cada mesa. A única e essencial diferença entre aquele grupo de pessoas e o que eles tinham acabado de deixar, era que as pessoas neste grupo estavam usando suas colheres para alimentar uns aos outros.

Robert B. Dilts e outros

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Carpe diem


"Há três caminhos para a virtude:
A reflexão, que é mais nobre,
a imitação, que é mais fácil,
a experiência, que é mais amargo."
Confúcio

Não é nada fácil a vida daqueles que amam. Não se chega ao amor senão pela construção, dedicação, paciência, insistência; mais fácil é a vida daqueles que se apaixonam e, ao sabor das situações, se desapaixonam e apaixonam-se novamente.
Não, não estamos falando de relacionamentos. Não apenas deles. Amamos muito mais que uma pessoa a quem decidimos designar namorado(a); amamos também nossa vocação, nossos resultados, amamos alguma ciência ou filosofia, algum bicho de estimação, alguma paisagem que não trocaríamos por nada. Amamos também a família e diversas outras pessoas, que de muitas formas conectam-se às nossas vidas e, com a mesma dificuldade, nos obrigamos por vezes a desamá-las.
Mas aquele que vê com paixão o mundo que vive, aproveita muito mais. No carpe diem, não há envolvimento, doação, construção: há um referencial que tem 24 horas para encontrar seu sentido, e se contenta em moldar sua fôrma ao invés de se entregar à maçante tarefa de procurar aquilo em que se reconheça. O que vier, é lucro, e as outras 24, 48, 72 horas, aí já são outra história.
Certo ou errado? Isso, não é a mim que cabe decidir. A plenitude é um caminho individual que nunca deixará de ser dotado ora de satisfações, ora de frustrações.
Inegavelmente, a cigarra aproveita o dia muito melhor que as formigas - mas só até o inverno.

João Rodrigues

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sobre carência e sentido


A vida é uma seqüência de apreensões e repetições subjetivas dos fenômenos que se nos apresentam.

O que quero, no fundo, é que faça sentido. Tenho carência desse sentido que se constrói em referenciais; enlouqueço quando perco esses referenciais, que potencialmente estão ali: no outro.

É no espelho que entendo quem sou, é por essa imagem que me amo. Se me foram dados olhos, foi para que pudesse ver fora de mim; se o que tem sentido está dentro, não chego a ele senão por aquilo em que reverbero: o outro.

João Rodrigues

terça-feira, 8 de abril de 2008

Esses tais relacionamentos...

Não se engane com aquela visão maniqueísta de que relacionamento aberto é sinal de falta de compromisso, de união, de amor; pelo contrário, sou daqueles que acreditam que, quem ama mesmo, doa a quem doer, vai preferir ver seu companheiro feliz.
Me inclino a acreditar que a maior parte das frustrações humanas no domínio dos relacionamentos se deve a uma falsa expectativa de ter encontrado alguém que está pronto a se anular por você, quando, na realidade, encontramos pessoas que estão tão em busca da própria felicidade quanto nós mesmos; se por acaso essa pessoa parece estar trilhando o mesmo caminho que você, ôtimo! Você tem alguém com quem seguir junto. E serem felizes juntos é possível, mas acredite, muito dificilmente alguém sacrificará sua propria felicidade unicamente pela satisfação de outra pessoa (não se trata de não acreditar em altruísmo, novamente não me confunda!).
Todo mundo tem seu lado hormonal, de desejo; sendo racional ou não, o ser humano também é um animal. Todo mundo olha pra outras pessoas e pelo menos uma vez na vida se pergunta se está pronta pra renunciar a todas em nome de uma única. Não há porque se sentir mal por causa disso, nem tampouco se questionar se você ama de verdade ou não seu companheiro. Por melhor que seja sua casa, você viveria morrendo de curiosidade de saber como é lá fora se você soubesse que está voluntariamente trancado nela, ao passo que se a porta está aberta, por mais contraditório que pareça, é aí que você não tem vontade de sair; porque aí, você sabe que pode atravessar essa fronteira a hora que quiser, que nunca será necessariamente agora.
Há quem siga a monogamia estrita sem a menor dificuldade, não duvido, mas o que mais me entristece são os que dizem fazer isso e, na prática, a história é bem outra. Arrisco sem medo que 90% dos meus amigos que se dizem incondicionalmente fiéis e que ficariam devastados se soubessem de uma traição do(a) companheiro(a) "pulam a cerca" sim, às vezes até regularmente, mas dão as mais diferentes e absurdas explicações pra não admitirem que estão traindo.
Pra mim, o que se chama traição não é o ato em si de ficar com outra pessoa, mas sim fazer uma pessoa acreditar que ela é única quando, na realidade, não é. Se o contrato prevê que as coisas vão ser diferentes, então ótimo, ninguém está traindo ninguém porque no final das contas, ambos estão cientes dessa condição. Ou será que é justo exigir de uma pessoa aquilo que nem você seria capaz de cumprir?
Por isso, sem querer fazer propaganda - porque a felicidade é um caminho de cada um e eu acredito sim na fidelidade plena -, proponho apenas aos meus amigos que procurem ficar em paz com sua alma se fazendo essa pergunta: o que eu quero condiz com o que eu estou fazendo, ou eu que nunca parei pra me perguntar de verdade o que eu quero?

Boas conclusões.

João Rodrigues

domingo, 30 de março de 2008

O segundo antes

Olho pros momentos que eu vivi sempre me perguntando pelos que não vivi.
Quais escolhas eu fiz e o que teria acontecido se cada uma delas tivesse passado por mínimas modificações.
Quantas coisas eu ganhei por segundos a mais de insistência, e o pior, nunca saber quantas eu perdi por talvez ter desistido em cima da marca.
Mas eu sabia? Naquele momento eu tinha uma mínima idéia do quão feliz eu potencialmente seria dali a pouco?
É por isso que, a despeito do medo, hoje está tudo entregue nas mãos do acaso; do contrário, nunca conseguirei estar em um lugar sem pensar em todos aqueles em
que não estou por causa desta escolha.
Mas é curioso, quase mágico, como vemos que sempre estamos exatamente onde deveríamos.

João Rodrigues

quinta-feira, 27 de março de 2008

Construção

Coloco aqui pela primeira vez o texto de uma amiga que, de quebra, é uma das minhas escritoras preferidas.
Para quem gostar, existem outros textos dela, que aos poucos estarão publicados aqui também (o antigo Blog dela foi desativado).


Calou-se e, no arrependimento, sentiu-se só. A culpa lhe atormentava a alma, tormento solitário, lancinante. E o medo do medo gelou-lhe a alma...

O erro. Havia cometido de novo, mais uma vez. À culpa juntou-se o pânico. Não, não podia ter feito de novo. Não admitiria aquilo novamente. O erro.

A falta. Em desespero, buscou encontrar-se. Sentiu falta de si. Há quanto tempo estava longe? Não conseguiu lembrar. O pulso saiu de compasso. Percebia que havia se perdido há muito, e não sabia mais quem era.

O descontrole. Na ausência de si, perdeu as rédeas. Descontrolou-se, jogando sua vida e felicidade nas mãos de outros. Inventou desculpas, máscaras, criou artifícios. E, mais uma vez, sofreu.

A busca. Ciente da sua ausência, das desculpas, das fugas, das máscaras, voltou a buscar-se. Brigou consigo mesma, por vezes não aceitou o que viu, sem perceber que o que via era distorcido por um espelho imundo. Olhava em volta, buscando que lhe servissem de espelho, para não ter o esforço de limpar o próprio. Sofreu mais algumas vezes.

O encontro. No meio sofrimento, encontrou o improvável amor. Que a aceitou, amou, recebeu. O medo do medo, o espelho sujo, tudo impedia a entrega, mas ela insistiu. E uma nova luz foi jogada sobre ela.

A descoberta. Sem saber direito como ser amada, já que seu espelho era imundo, jogou no outro a responsabilidade por limpar seu espelho. Sofreu e fez sofrer. A sua dor era suportável, já havia se acostumado e chegava a pensar se sabia viver sem ela. Mas provocar dor no outro, no amado, era inaceitável, insuportável, intragável. Com tempo e esforço descobriu que precisava limpar seu espelho, encontrar-se a si, e que o outro era necessário, amado, mas nunca preencheria o buraco da ausência de si mesma.

A conciliação. Com paciência e empenho, começou a reencontrar e descobrir partes de si e montar-se. Surpreendeu-se com qualidades, e as amou. Frustrou-se com defeitos, mas os aceitou e acolheu. Assim, aos poucos, foi nascendo de novo, agora inteira, plena. As dores foram passando à medida que seu olhar sobre si ficava claro, que as culpas eram levadas juntamente com a poeira do velho espelho imundo e que as qualidades eram valorizadas. E, a cada momento da descoberta, o amor estava ao lado, mostrando, acolhendo, aceitando, apaixonado pelo processo e pela força, já que sabia que, dali, surgiria alguém mais iluminado do que antes...

O amor. O quebra-cabeça continua sendo montado. A vida toda. Muitas peças são trocadas de lugar e até jogadas fora, já que não servem mais no novo desenho que se forma, ou simplesmente para serem repostas por outras que formarão um todo mais belo. Assim como o amor, pelo outro e por si mesmo. Ele continua sendo montado, construído, descoberto, juntamente com as novas peças do quebra-cabeça. O amor é fluido, móvel, cresce e muda a cada descoberta nova, a cada tentativa, a cada peça que na vida se coloca no lugar certo. Aceita os erros, pois sabe que são tentativas, caminhos para os acertos.

O amor é processo, não situação. É preciso amar o caminho, não só a chegada. É preciso amar a construção, para que seja possível amar o construído.

Dri Quedas

PS.: Atualmente, ela conta com uma picante coluna sobre sexo Lésbico no site Dykerama!
http://dykerama.uol.com.br/src/?mI=2&cID=57&iID=147&nome=Dri_Quedas

quinta-feira, 20 de março de 2008

Equinócio de Outono


"De acordo com o mito antigo, no dia do Equinócio de Outono, Hades (o deus grego do Submundo) encontrou-se com Perséfone, que colhia flores. Ficou tão encantado com sua beleza jovem que, instantaneamente, se apaixonou por ela, agarrou-a, raptou-a e levou-a em sua carruagem para a escuridão do seu reino a fim de governar eternamente ao seu lado como sua imortal Rainha do Submundo. A deusa Deméter procurou, por todos os lugares, sua filha levada à força, e, não a encontrando, seu sofrimento foi tão intenso que as flores e as árvores murcharam e morreram. Os grandes deuses do Olimpo negociaram o retorno de Perséfone; porém, enquanto ela estava com Hades, foi enganada e comeu uma pequena semente de romã, tendo, então, que passar metade de cada ano com Hades no Submundo, por toda a eternidade."

Fonte: http://www.circulosagrado.com/cs/celebracoes/mabon.php




Chegamos hoje a um dos equinócios. Um dos dias de equilíbrio do ano, em que o eixo de rotação da Terra se alinha perpendicularmente ao seu plano de órbita em torno do Sol. São os dois dias do ano em que o dia e a noite têm a mesma duração, e a beleza cíclica das estações do ano foi uma das principais filosofias inspiradoras do povo celta.

"(...)enquanto o equinócio de primavera é um período de equilíbrio para preparar-se para a ação, o equinócio de outono é um período de equilíbrio para preparar-se para o repouso, que vem no inverno.

Lughnasadh (Lammas) marca a coleta efetiva da safra de cereais, mas em seu aspecto sacrificial. O equinócio de outono marca a conclusão da colheita e a ação de graças pela abundância, com ênfase em um futuro retorno desta."


Fonte: http://www.bruxaria.net/enciclopedia/m/mabon.htm


É chegado o momento de refletir sobre a ciclicidade de tudo que se passa e se passou em nossas vidas: fase de recolhimento, amadurecimento, preparação. Os dias começam a ficar cada vez mais curtos, e a atmosfera, cada vez mais fria. Repare a paisagem que muda ao seu redor, e que logo voltará a ser muito parecida com o que era - não igual, porque renascerá e nunca mais será a mesma paisagem do ciclo anterior.
Aproveite o momento de renovação não para lamentar o que termina, mas agradecer pelo que começou e, que os Deuses lhe permitam, sempre recomeçará.

domingo, 16 de março de 2008

O que ou como?

Nunca fiz questão de esconder que não gostava do Sol.
E ele aparecia, muitas, muitas vezes no ano, e lá estava eu fazendo minha cara feia pra que ele visse que eu não gostava dele.
E de vez em quando ele se escondia, me deixando feliz por tê-lo deixado aborrecido e refletindo sobre todo o mal que tinha feito.
Eu nunca entendi porque ele insistia em aparecer de novo, sem a menor vergonha; e via todo mundo sorrindo, enquanto eu achava que meu mau humor era maior que tudo isso.
Um dia, ficou mais de um mês sem chover.
No primeiro momento, achei que fosse morrer.
No segundo, entendi que sorrir é algo que independe de estar ou não satisfeito: depende do que eu quero multiplicar nesse dia.
Só aí que pude reparar que existe sombra.
Ela ficava debaixo de uma árvore - que só existia por causa do Sol.

João Rodrigues

segunda-feira, 10 de março de 2008

Poema de Sombra




"Se perdem gestos, cartas de amor, malas, parentes.


Se perdem vozes, cidades, países, amigos.


Romances perdidos, objetos perdidos, histórias se perdem.
Se perde o que fomos e o que queríamos ser.


Se perde o momento, mas não existe perda, existe movimento."




(do filme O Signo da Cidade, de Bruna Lombardi)

sexta-feira, 7 de março de 2008

O outro (ou minha versão para "Etiquetas")


"Onde você se sente mais sozinho? Em casa, longe de tudo, ou numa estação de metrô lotada?"
(de diálogo do filme "Caché" (Michael Haneke - 2005))



É parte de nossa cultura a superação do outro. Nunca enxergamos nas pessoas possibilidades, mas sempre limitações. Louco de quem tenta ajudar esse tal "outro"; o negócio é sair correndo na frente antes que ele me deixe para trás!
No ônibus, ontem, uma mulher reclamava que o motorista passara do ponto de parada; o cobrador resmungava que era o preço que ela pagava pela lerdeza para atravessar o ônibus, e praguejou repetindo-o a tudo e a todos até o final da viagem. O ônibus estava cheíssimo, como toda parte em São Paulo. Todos estavam exaustos depois de um dia de trabalho e logo todos estavam se acotovelando pra descerem primeiro no ponto final. Me atreveria a especular que ninguém chegou em casa no horário que queria nesse dia.
A sacada é que o problema do outro nunca é meu problema; eu sempre já tenho problemas o suficiente e, se eu o puder resolver às custas de aumentar o de outrém, é melhor que eu corra antes que esse outrém faça o mesmo comigo. Nesse mundo competitivo, temos que ser mais "ligeiros", porque quem não mata, morre.
E sempre o rapaz do lado é mais espertinho; sempre o garoto que esbarrou comigo na rua é um xarope que não olha por onde anda, o garçom que se atrasa é um incompetente que não sabe nem servir um suco, o motorista que passou do ponto, um cego, o professor que esqueceu-se de um termo, um dinossauro; e todos são espertinhos, todos querendo se dar bem às custas de mim - a menos que eu seja mais espertinho que eles.
E, assim como o medo da violência é justamente uma de suas maiores causas, também somos nós com nosso medo do outro; somos como cachorros arredios que, ao verem alguém estranho, se poem a latir pra provar que podem ser bem piores do que eles imaginam - quando tudo não passa de medo que alguém perceba o quão frágeis eles podem ser.
E há algo de tão vergonhoso em ser frágil?
E se todos quisessem mudar isso, quem daria o primeiro passo?

Ah, o outro?
Imaginei.

João Rodrigues

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Etiquetas

Qual era a verdade de cada pessoa, daquelas que me rodeavam numa casa geralmente alegre? Eu descobrira que nem sempre dizia o que pensava: e os outros?
Perplexidades adultas: por que nos perdemos tanto? Por que tantos encontros amigos ou amorosos, e mesmo profissionais, começam com entusiasmo e de repente - ou lenta e insidiosamente - se transformam em objeto de indiferença, irritação ou até mesmo crueldade?Ninguém se casa, tem filho, assume um trabalho querendo que saia tudo errado, querendo falhar ou ser triturado. Quantas vezes, porém, depois de algum tempo trilhamos uma estrada de desencanto e rancor?
No mais trivial comentário, por que, em lugar de prestar atenção ao outro, a gente prefere rotular, discriminando, marcando a ferro e fogo o flanco alheio com um rótulo invisível e ao mesmo tempo tão evidente? "Burro", "arrogante", "falso", "preguiçoso", "mentiroso", "omisso", "desleal", "vulgar" - muitas vezes, humilhamos logo de saída, demonstrando nossos preconceitos sem nos envergonharmos deles, pois nem nos damos conta. Parece que não convivemos com pessoas: convivemos com imagens construídas pela nossa falta de generosidade.
Pergunto a uma amiga pelo seu genro: "Aquele? Cada vez mais gordo!" Mas talvez eu quisesse saber se ele estava empregado, se estava contente, se fazia a filha dela feliz. E nossa amiga comum? "Ah, essa? Irreconhecível, deve ter feito a milésima plástica na cara, mas os peitos estão um horror de caídos!" Não me disse se a mulher de quem falávamos se recuperara da viuvez, se estava deprimida ou já superara o trauma, se parecia serena ou aflita. Parece que invariavelmente acordamos com raiva de tudo e de todos. "Sujeito metido a besta", "professor ultrapassado", "alunos medíocres", "cantor desafinado", "empresário falido"...Não vemos gente ao nosso redor. Vemos etiquetas. Difícil, assim, sentir-se acompanhado; difícil, desse jeito, amar e ser estimado. Vivemos como se estivéssemos isolados, com o olhar rápido e superficial, o julgamento à mão, armado: "um idiota", "uma dondoca", "um fracassado". Quem era, como se chamava, que idade tinha, se teve filhos, amigos, sucessos, fracassos, de que morreu, como viveu? É esse tipo de coisa que quero saber quando leio notícias do tipo "Aposentado morre de infarto na rua", "Idosa atropelada na avenida", "Mulher assaltada no caixa eletrônico".
Não admira que a gente sinta medo, solidão, raiva mesmo que imprecisa, nem sabemos do quê ou de quem. Atacamos antes que nos ataquem, o outro é sempre uma ameaça, não uma possibilidade de afeto ou alegria. Todo homem será uma ilha?

Lya Luft

Como nasce um paradigma (ou por que você está batendo?)

Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula. No centro dela puseram uma escada e, sobre esta, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancadas.
Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas. Então, os cientistas substituiram um dos cinco macacos.
A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que lhe bateram. Depois de algumas surras o novo integrante do grupo não subia mais a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, na surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído. Os cientistas ficaram, então com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas.
Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui..."

(Autor desconhecido)

Sustos

Quem dera todos tivessem o privilégio de ter uma vida cheia de sustos. Susto de se perceber a um passo de perder algo ou alguém que em nenhum momento antes você tinha percebido que amava tanto; de ver que tudo aquilo que você já tediosamente planejava para o seu futuro como algo líquido e certo, de repente pode estar a um passo de virar mais uma lembrança. Pode parecer que não, mas faz um bem danado.
É comum percebermos, ainda que a custo de algum tempo, que certas coisas ruins foram absolutamente essenciais para que uma porção de outras boas viessem depois. Não somos acostumados, no entanto, a ver que a morte - de uma pessoa, de um projeto, idéia, etc. - não é só perda, mas também um recomeço; assim como as folhas mortas nutrem a terra para que muitas outras venham ainda a cobrir a árvore, assim as perdas funcionam em nossa vida como o canal possível pra que tudo continue; quiçá, até melhore.
A dor é um dos muitos meios que a vida tem de nos mostrar o que fazer. Até que ela arranque de nós com toda sua violência aqueles cadáveres do passado a que insistimos em nos apegar, não podemos enxergar quanto tempo ficamos parados depositando nossa realização em algo que simplesmente já não caminhava no mesmo ritmo que todo o resto de nossas vidas.
Um bom susto acaba sendo o negócio mais vantajoso! Parecer perder, reconsiderar, revalorizar e recuperar tudo aquilo que ficou a um passo de virar passado; você leva a lição sem sacrificar de verdade nada. É a renovação de tudo aquilo de que você já dispõe.
Na imensa maioria das vezes, no entanto, nos resta buscar entender. Morte é natural, é uma outra parte da vida, e eu agradeço a cada dia pelo que me parece ser uma espécie de energia, uma harmonia (Deus, destino, natureza, chame como quiser) que se ocupa muito cuidadosamente disso. Se me fosse possível sempre escolher, nunca teria deixado nada nem ninguém morrer - e aí, só Deus sabe quantas boas novidades eu jamais conheceria.

João Rodrigues

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