domingo, 30 de março de 2008

O segundo antes

Olho pros momentos que eu vivi sempre me perguntando pelos que não vivi.
Quais escolhas eu fiz e o que teria acontecido se cada uma delas tivesse passado por mínimas modificações.
Quantas coisas eu ganhei por segundos a mais de insistência, e o pior, nunca saber quantas eu perdi por talvez ter desistido em cima da marca.
Mas eu sabia? Naquele momento eu tinha uma mínima idéia do quão feliz eu potencialmente seria dali a pouco?
É por isso que, a despeito do medo, hoje está tudo entregue nas mãos do acaso; do contrário, nunca conseguirei estar em um lugar sem pensar em todos aqueles em
que não estou por causa desta escolha.
Mas é curioso, quase mágico, como vemos que sempre estamos exatamente onde deveríamos.

João Rodrigues

quinta-feira, 27 de março de 2008

Construção

Coloco aqui pela primeira vez o texto de uma amiga que, de quebra, é uma das minhas escritoras preferidas.
Para quem gostar, existem outros textos dela, que aos poucos estarão publicados aqui também (o antigo Blog dela foi desativado).


Calou-se e, no arrependimento, sentiu-se só. A culpa lhe atormentava a alma, tormento solitário, lancinante. E o medo do medo gelou-lhe a alma...

O erro. Havia cometido de novo, mais uma vez. À culpa juntou-se o pânico. Não, não podia ter feito de novo. Não admitiria aquilo novamente. O erro.

A falta. Em desespero, buscou encontrar-se. Sentiu falta de si. Há quanto tempo estava longe? Não conseguiu lembrar. O pulso saiu de compasso. Percebia que havia se perdido há muito, e não sabia mais quem era.

O descontrole. Na ausência de si, perdeu as rédeas. Descontrolou-se, jogando sua vida e felicidade nas mãos de outros. Inventou desculpas, máscaras, criou artifícios. E, mais uma vez, sofreu.

A busca. Ciente da sua ausência, das desculpas, das fugas, das máscaras, voltou a buscar-se. Brigou consigo mesma, por vezes não aceitou o que viu, sem perceber que o que via era distorcido por um espelho imundo. Olhava em volta, buscando que lhe servissem de espelho, para não ter o esforço de limpar o próprio. Sofreu mais algumas vezes.

O encontro. No meio sofrimento, encontrou o improvável amor. Que a aceitou, amou, recebeu. O medo do medo, o espelho sujo, tudo impedia a entrega, mas ela insistiu. E uma nova luz foi jogada sobre ela.

A descoberta. Sem saber direito como ser amada, já que seu espelho era imundo, jogou no outro a responsabilidade por limpar seu espelho. Sofreu e fez sofrer. A sua dor era suportável, já havia se acostumado e chegava a pensar se sabia viver sem ela. Mas provocar dor no outro, no amado, era inaceitável, insuportável, intragável. Com tempo e esforço descobriu que precisava limpar seu espelho, encontrar-se a si, e que o outro era necessário, amado, mas nunca preencheria o buraco da ausência de si mesma.

A conciliação. Com paciência e empenho, começou a reencontrar e descobrir partes de si e montar-se. Surpreendeu-se com qualidades, e as amou. Frustrou-se com defeitos, mas os aceitou e acolheu. Assim, aos poucos, foi nascendo de novo, agora inteira, plena. As dores foram passando à medida que seu olhar sobre si ficava claro, que as culpas eram levadas juntamente com a poeira do velho espelho imundo e que as qualidades eram valorizadas. E, a cada momento da descoberta, o amor estava ao lado, mostrando, acolhendo, aceitando, apaixonado pelo processo e pela força, já que sabia que, dali, surgiria alguém mais iluminado do que antes...

O amor. O quebra-cabeça continua sendo montado. A vida toda. Muitas peças são trocadas de lugar e até jogadas fora, já que não servem mais no novo desenho que se forma, ou simplesmente para serem repostas por outras que formarão um todo mais belo. Assim como o amor, pelo outro e por si mesmo. Ele continua sendo montado, construído, descoberto, juntamente com as novas peças do quebra-cabeça. O amor é fluido, móvel, cresce e muda a cada descoberta nova, a cada tentativa, a cada peça que na vida se coloca no lugar certo. Aceita os erros, pois sabe que são tentativas, caminhos para os acertos.

O amor é processo, não situação. É preciso amar o caminho, não só a chegada. É preciso amar a construção, para que seja possível amar o construído.

Dri Quedas

PS.: Atualmente, ela conta com uma picante coluna sobre sexo Lésbico no site Dykerama!
http://dykerama.uol.com.br/src/?mI=2&cID=57&iID=147&nome=Dri_Quedas

quinta-feira, 20 de março de 2008

Equinócio de Outono


"De acordo com o mito antigo, no dia do Equinócio de Outono, Hades (o deus grego do Submundo) encontrou-se com Perséfone, que colhia flores. Ficou tão encantado com sua beleza jovem que, instantaneamente, se apaixonou por ela, agarrou-a, raptou-a e levou-a em sua carruagem para a escuridão do seu reino a fim de governar eternamente ao seu lado como sua imortal Rainha do Submundo. A deusa Deméter procurou, por todos os lugares, sua filha levada à força, e, não a encontrando, seu sofrimento foi tão intenso que as flores e as árvores murcharam e morreram. Os grandes deuses do Olimpo negociaram o retorno de Perséfone; porém, enquanto ela estava com Hades, foi enganada e comeu uma pequena semente de romã, tendo, então, que passar metade de cada ano com Hades no Submundo, por toda a eternidade."

Fonte: http://www.circulosagrado.com/cs/celebracoes/mabon.php




Chegamos hoje a um dos equinócios. Um dos dias de equilíbrio do ano, em que o eixo de rotação da Terra se alinha perpendicularmente ao seu plano de órbita em torno do Sol. São os dois dias do ano em que o dia e a noite têm a mesma duração, e a beleza cíclica das estações do ano foi uma das principais filosofias inspiradoras do povo celta.

"(...)enquanto o equinócio de primavera é um período de equilíbrio para preparar-se para a ação, o equinócio de outono é um período de equilíbrio para preparar-se para o repouso, que vem no inverno.

Lughnasadh (Lammas) marca a coleta efetiva da safra de cereais, mas em seu aspecto sacrificial. O equinócio de outono marca a conclusão da colheita e a ação de graças pela abundância, com ênfase em um futuro retorno desta."


Fonte: http://www.bruxaria.net/enciclopedia/m/mabon.htm


É chegado o momento de refletir sobre a ciclicidade de tudo que se passa e se passou em nossas vidas: fase de recolhimento, amadurecimento, preparação. Os dias começam a ficar cada vez mais curtos, e a atmosfera, cada vez mais fria. Repare a paisagem que muda ao seu redor, e que logo voltará a ser muito parecida com o que era - não igual, porque renascerá e nunca mais será a mesma paisagem do ciclo anterior.
Aproveite o momento de renovação não para lamentar o que termina, mas agradecer pelo que começou e, que os Deuses lhe permitam, sempre recomeçará.

domingo, 16 de março de 2008

O que ou como?

Nunca fiz questão de esconder que não gostava do Sol.
E ele aparecia, muitas, muitas vezes no ano, e lá estava eu fazendo minha cara feia pra que ele visse que eu não gostava dele.
E de vez em quando ele se escondia, me deixando feliz por tê-lo deixado aborrecido e refletindo sobre todo o mal que tinha feito.
Eu nunca entendi porque ele insistia em aparecer de novo, sem a menor vergonha; e via todo mundo sorrindo, enquanto eu achava que meu mau humor era maior que tudo isso.
Um dia, ficou mais de um mês sem chover.
No primeiro momento, achei que fosse morrer.
No segundo, entendi que sorrir é algo que independe de estar ou não satisfeito: depende do que eu quero multiplicar nesse dia.
Só aí que pude reparar que existe sombra.
Ela ficava debaixo de uma árvore - que só existia por causa do Sol.

João Rodrigues

segunda-feira, 10 de março de 2008

Poema de Sombra




"Se perdem gestos, cartas de amor, malas, parentes.


Se perdem vozes, cidades, países, amigos.


Romances perdidos, objetos perdidos, histórias se perdem.
Se perde o que fomos e o que queríamos ser.


Se perde o momento, mas não existe perda, existe movimento."




(do filme O Signo da Cidade, de Bruna Lombardi)

sexta-feira, 7 de março de 2008

O outro (ou minha versão para "Etiquetas")


"Onde você se sente mais sozinho? Em casa, longe de tudo, ou numa estação de metrô lotada?"
(de diálogo do filme "Caché" (Michael Haneke - 2005))



É parte de nossa cultura a superação do outro. Nunca enxergamos nas pessoas possibilidades, mas sempre limitações. Louco de quem tenta ajudar esse tal "outro"; o negócio é sair correndo na frente antes que ele me deixe para trás!
No ônibus, ontem, uma mulher reclamava que o motorista passara do ponto de parada; o cobrador resmungava que era o preço que ela pagava pela lerdeza para atravessar o ônibus, e praguejou repetindo-o a tudo e a todos até o final da viagem. O ônibus estava cheíssimo, como toda parte em São Paulo. Todos estavam exaustos depois de um dia de trabalho e logo todos estavam se acotovelando pra descerem primeiro no ponto final. Me atreveria a especular que ninguém chegou em casa no horário que queria nesse dia.
A sacada é que o problema do outro nunca é meu problema; eu sempre já tenho problemas o suficiente e, se eu o puder resolver às custas de aumentar o de outrém, é melhor que eu corra antes que esse outrém faça o mesmo comigo. Nesse mundo competitivo, temos que ser mais "ligeiros", porque quem não mata, morre.
E sempre o rapaz do lado é mais espertinho; sempre o garoto que esbarrou comigo na rua é um xarope que não olha por onde anda, o garçom que se atrasa é um incompetente que não sabe nem servir um suco, o motorista que passou do ponto, um cego, o professor que esqueceu-se de um termo, um dinossauro; e todos são espertinhos, todos querendo se dar bem às custas de mim - a menos que eu seja mais espertinho que eles.
E, assim como o medo da violência é justamente uma de suas maiores causas, também somos nós com nosso medo do outro; somos como cachorros arredios que, ao verem alguém estranho, se poem a latir pra provar que podem ser bem piores do que eles imaginam - quando tudo não passa de medo que alguém perceba o quão frágeis eles podem ser.
E há algo de tão vergonhoso em ser frágil?
E se todos quisessem mudar isso, quem daria o primeiro passo?

Ah, o outro?
Imaginei.

João Rodrigues