terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Etiquetas

Qual era a verdade de cada pessoa, daquelas que me rodeavam numa casa geralmente alegre? Eu descobrira que nem sempre dizia o que pensava: e os outros?
Perplexidades adultas: por que nos perdemos tanto? Por que tantos encontros amigos ou amorosos, e mesmo profissionais, começam com entusiasmo e de repente - ou lenta e insidiosamente - se transformam em objeto de indiferença, irritação ou até mesmo crueldade?Ninguém se casa, tem filho, assume um trabalho querendo que saia tudo errado, querendo falhar ou ser triturado. Quantas vezes, porém, depois de algum tempo trilhamos uma estrada de desencanto e rancor?
No mais trivial comentário, por que, em lugar de prestar atenção ao outro, a gente prefere rotular, discriminando, marcando a ferro e fogo o flanco alheio com um rótulo invisível e ao mesmo tempo tão evidente? "Burro", "arrogante", "falso", "preguiçoso", "mentiroso", "omisso", "desleal", "vulgar" - muitas vezes, humilhamos logo de saída, demonstrando nossos preconceitos sem nos envergonharmos deles, pois nem nos damos conta. Parece que não convivemos com pessoas: convivemos com imagens construídas pela nossa falta de generosidade.
Pergunto a uma amiga pelo seu genro: "Aquele? Cada vez mais gordo!" Mas talvez eu quisesse saber se ele estava empregado, se estava contente, se fazia a filha dela feliz. E nossa amiga comum? "Ah, essa? Irreconhecível, deve ter feito a milésima plástica na cara, mas os peitos estão um horror de caídos!" Não me disse se a mulher de quem falávamos se recuperara da viuvez, se estava deprimida ou já superara o trauma, se parecia serena ou aflita. Parece que invariavelmente acordamos com raiva de tudo e de todos. "Sujeito metido a besta", "professor ultrapassado", "alunos medíocres", "cantor desafinado", "empresário falido"...Não vemos gente ao nosso redor. Vemos etiquetas. Difícil, assim, sentir-se acompanhado; difícil, desse jeito, amar e ser estimado. Vivemos como se estivéssemos isolados, com o olhar rápido e superficial, o julgamento à mão, armado: "um idiota", "uma dondoca", "um fracassado". Quem era, como se chamava, que idade tinha, se teve filhos, amigos, sucessos, fracassos, de que morreu, como viveu? É esse tipo de coisa que quero saber quando leio notícias do tipo "Aposentado morre de infarto na rua", "Idosa atropelada na avenida", "Mulher assaltada no caixa eletrônico".
Não admira que a gente sinta medo, solidão, raiva mesmo que imprecisa, nem sabemos do quê ou de quem. Atacamos antes que nos ataquem, o outro é sempre uma ameaça, não uma possibilidade de afeto ou alegria. Todo homem será uma ilha?

Lya Luft

Como nasce um paradigma (ou por que você está batendo?)

Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula. No centro dela puseram uma escada e, sobre esta, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancadas.
Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas. Então, os cientistas substituiram um dos cinco macacos.
A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que lhe bateram. Depois de algumas surras o novo integrante do grupo não subia mais a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, na surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído. Os cientistas ficaram, então com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas.
Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui..."

(Autor desconhecido)

Sustos

Quem dera todos tivessem o privilégio de ter uma vida cheia de sustos. Susto de se perceber a um passo de perder algo ou alguém que em nenhum momento antes você tinha percebido que amava tanto; de ver que tudo aquilo que você já tediosamente planejava para o seu futuro como algo líquido e certo, de repente pode estar a um passo de virar mais uma lembrança. Pode parecer que não, mas faz um bem danado.
É comum percebermos, ainda que a custo de algum tempo, que certas coisas ruins foram absolutamente essenciais para que uma porção de outras boas viessem depois. Não somos acostumados, no entanto, a ver que a morte - de uma pessoa, de um projeto, idéia, etc. - não é só perda, mas também um recomeço; assim como as folhas mortas nutrem a terra para que muitas outras venham ainda a cobrir a árvore, assim as perdas funcionam em nossa vida como o canal possível pra que tudo continue; quiçá, até melhore.
A dor é um dos muitos meios que a vida tem de nos mostrar o que fazer. Até que ela arranque de nós com toda sua violência aqueles cadáveres do passado a que insistimos em nos apegar, não podemos enxergar quanto tempo ficamos parados depositando nossa realização em algo que simplesmente já não caminhava no mesmo ritmo que todo o resto de nossas vidas.
Um bom susto acaba sendo o negócio mais vantajoso! Parecer perder, reconsiderar, revalorizar e recuperar tudo aquilo que ficou a um passo de virar passado; você leva a lição sem sacrificar de verdade nada. É a renovação de tudo aquilo de que você já dispõe.
Na imensa maioria das vezes, no entanto, nos resta buscar entender. Morte é natural, é uma outra parte da vida, e eu agradeço a cada dia pelo que me parece ser uma espécie de energia, uma harmonia (Deus, destino, natureza, chame como quiser) que se ocupa muito cuidadosamente disso. Se me fosse possível sempre escolher, nunca teria deixado nada nem ninguém morrer - e aí, só Deus sabe quantas boas novidades eu jamais conheceria.

João Rodrigues

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